A Igreja da Misericórdia
A documentação disponível permite-nos acompanhar os primeiros anos da Misericórdia, e as suas ligações às instituições de assistência já existentes em Palmela. Na verdade, a própria história da vila implicava a existência de uma série de estruturas indispensáveis, entre as quais se incluem as albergarias e hospitais, pois com a instalação da Ordem de Santiago, Palmela conheceu um franco desenvolvimento, logrando alcançar um importante papel a nível nacional, quando, já no século XV, se tornou sede desta Ordem.
A nova confraria teve os seus primórdios numa albergaria, dedicada ao Espírito Santo, e fundada em 1471 por Diogo Martins e Rodrigo Afonso Remão (memórias paroquiais, 1758), da qual terá herdado a estrutura, e com certeza, a ermida, onde estabeleceu a sua primeira sede. O hospital, com a mesma invocação, já existia em 1510, encontrando-se, desde cedo, ligado à misericórdia, na qual acabou por ser incorporado (à semelhança do que aconteceu um pouco por todo o país) (FORTUNA, 1990, pp. 72-74).
Segundo a documentação, a Misericórdia foi fundada em 5 de Março de 1529 (já no reinado de D. João III), tomando como sede a ermida da confraria do Espírito Santo que, por ser considerada de dimensões muito reduzidas, cedo foi demolida para dar lugar ao templo que hoje conhecemos. Entre 1529 e 1566, ano inscrito sobre o portal principal da igreja e que deverá determinar o final da sua edificação, a confraria instalou-se provisoriamente no hospital, mais precisamente, na antiga casa térrea correspondente aos aposentos da hospitaleira, onde se encontrava à data da Visitação de 1534 (citado por IDEM, p. 74).
A nova igreja, de linhas simples, inscreve-se nos modelos adoptados, nesta época, pela generalidade das misericórdias do país, desenvolvendo-se em nave única com capela-mor apenas diferenciada por se encontrar num plano mais elevado, formando, no seu conjunto, uma espécie de caixa, de grande depuração arquitectónica (MOREIRA, 2000, pp. 135-164). O elemento decorativo mais destacado é o portal principal, de linguagem clássica, com pilastras laterais a suportar entablamento, com friso que alterna métopas e tríglifos, a que se sobrepõe frontão triangular com a já referida data de 1566. Mais acima, abre-se o janelão, que deveria iluminar o coro alto entretanto desaparecido (IDEM, p. 187), e o alçado termina em frontão curvo com beirado. Todo este conjunto foi intervencionado entre 1732 e 1734, em consequência do mau estado de conservação, e da ameaça de ruína (IDEM, p.177).
No interior, o espaço beneficiou de uma campanha decorativa, muito possivelmente ocorrida em 1650, conforme inscrição na fachada, e patrocinada pelo então provedor, que também pertencia à Ordem de Malta, Jerónimo de Brito e Melo (IDEM, p 176). Os azulejos de padrão polícromo que revestem integralmente as paredes da nave, inscrevem-se no conjunto de motivos quadrílobados, com diferentes variantes, que foram utilizados em revestimentos cerâmicos antes de 1640, prolongando-se depois, em azul e branco, durante o século XVIII (SIMÕES, 1970, pp. 72-73). Os painéis azuis e brancos de vasos floridos que interrompem este padrão (e um outro padrão, em tons de azul junto à porta, na parede fundeira), são já do início do século XVIII, denotando uma tentativa de actualização estética na adopção do azul e branco que então imperava (IDEM, 1979, pp. 195.196).
Há notícias de intervenções de restauro no último quartel do século XIX e nas últimas décadas do século passado. Uma referência final aos altares-urnas e ao sino, os primeiros provenientes da igreja do Convento dos Capuchos (Alferrara), após a extinção das Ordens Religiosos, e o segundo vindo da igreja de Santa Maria do Castelo (IDEM, pp. 180-181).